sexta-feira, 9 de julho de 2010

(Re)Leituras

Como bem disse Saramago, em seu penúltimo livro Viagem do Elefante, nós sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam. Nada melhor do que começar um texto a partir de uma citação dele, escritor a quem eu tinha carinho especial. A despeito de sua afirmação contundente, creio que ainda não sei se estamos fatalmente destinados a isto, mas certamente é um conforto lembrar a existência desta possibilidade. Parece-me, de fato, mais do que confortante, é escatológico como boa parte do alicerce ideológico das religiões. É nada menos que um fatalismo que abraça boa parte dos nossos anseios.

Eu tinha começado a escrever este texto uma semana após a morte de Saramago, muito embora eu tivesse escrito apenas os dois primeiros períodos acima transcritos, não saberei agora precisar o que me fez continuar agora, talvez isso tenha a ver com uma cena que eu vi semana passada num hospital, lá eu vi solidão e tive medo. Medo de estar só na hora da morte, medo de não ter ninguém ao lado pra segurar a mão no momento final, visto que o fim é a única certeza. E o que fiz eu, querendo evidentemente compartilhar minha análise do pobre moribundo atrelada à angústia de vê-lo só, sem ninguém ao lado para ouvir seus delírios, liguei para minha mãe. Quem mais poderia entender minha observação trivial e espontânea?! Ela me ouviu e disse-me com doçura: - quer que eu vá buscá-la, não se impressione, boa parte das pessoas procuram isso. Considerei um pouco suas palavras e desliguei. Posteriormente estendemos nossa discussão e chegamos a outras tantas conclusões. (...)

Pensando bem acho que o que me fez continuar de onde parei o meu texto foi simplesmente vontade de escrever. Tentando pôr em palavras as ideias que andam flutuando aqui dentro deste baú gasto porém jovem. Esse baú, como diria Leminski, (e quem mais poderia dizer mais e melhor do que ele?) que está agudamente vazio ainda que esteja cheio de tudo. No mais, termino com o trecho de A Jangada de Pedra, meu livro favorito do José Saramago, o primeiro que li dele, e que encerra e diz muito mais do que eu poderia expressar com minhas palavras limitadas sobre o que senti e sinto.


 "..., e estando José Anaiço de costas para a cozinha, donde a luz vem, continuamos sem saber que feições são as suas, parece este homem que se esconde, e não é tal, quantas vezes aconteceu mostrarmo-nos como quem somos, e não valeu a pena, não estava lá ninguém para ver."

Bem Natural

Eu sempre fiz
De quase tudo a fim
De não fazer mal a ninguém
Mas nem assim
Quis tudo que fiz, meu bem

Não é natural
Tão natural

Você me diz
Não dissimulo bem
Uma resposta dita em vão
Se eu digo sim
É pra você, não pra mim, então

Não é natural
Tão natural
Nem tão natural
Bem natural

Sendo assim por obrigação
Um bem, meu bem é não
Sendo assim por obrigação
Meu bem, um bem é mal
Sendo assim por obrigação
Um bem, meu bem é não
Sendo assim por obrigação
Meu bem

Serei feliz, quando agir por mim
Sem querer nada no fim
Nem peso ou culpa,
Só sinceridade faz bem
(Móveis Coloniais de Acaju)